Autor de livro sobre ícones da economia compartilhada diz
que empresas precisam negociar com governos
Criadas há menos de dez anos, Uber e Airbnb se estabeleceram
em pouquíssimo tempo como baluartes da economia do compartilhamento,
incomodando setores como os de táxis e hotéis e sendo duramente criticadas
pelos efeitos colaterais que geram — sobretudo as condições de trabalho, no
caso da Uber, e a escassez de moradia em cidades turísticas, no do Airbnb.
Em “As Upstarts”, da editora Intrínseca, o jornalista
americano Brad Stone — biógrafo de Jeff Bezos e editor de Tecnologia da
Bloomberg — retraça a trajetória dessas companhias. Para Stone, embora os
críticos estejam cobertos de razão, o impacto de Uber e Airbnb na sociedade é
positivo, representando uma oportunidade econômica para pessoas que estavam à
margem desses mercados, satisfazendo uma demanda legítima dos consumidores e
pressionando as empresas estabelecidas a melhorarem os seus serviços.
Uber e Airbnb são as empresas que as pessoas mais amam
odiar. Apesar de tão criticadas, qual foi o segredo para se tornarem
irresistíveis aos consumidores?
Elas oferecem bons serviços que são, em alguns casos, mais
baratos. Trazem mais opções para o mercado. Vejamos o caso da Uber. O mercado
regulado de táxi ao redor do mundo não estava servindo muito bem aos
passageiros.
Os preços eram determinados por uma tabela, não era possível
aumentar a oferta de carros quando necessário, e as companhias de táxi sempre
se opuseram à possibilidade de concessão de mais licenças para prestação do
serviço. Tudo isso enquanto o crescimento da população está explodindo em
várias partes do mundo. No caso do Airbnb, pense na situação de uma família com
filhos. Em hotéis, muitas vezes, você não consegue adicionar uma cama extra no
seu quarto e precisa pagar por mais um quarto inteiro para acomodar seus
filhos. Você é penalizado financeiramente por ter filhos.
Uber e Airbnb chegaram para satisfazer essa demanda
frustrada. Por isso, enfrentam resistência do mercado, mas os consumidores
abraçaram suas ofertas. Não se trata apenas dessas duas companhias, mas também
de outras como Lyft, Didi na China e claro que há exemplos no Brasil também.
O livro defende que os usuários precisam fazer com que Uber
e Airbnb ajam de acordo com os valores que prometem representar. Como fazer
isso?
A Uber é acusada de não tratar seus motoristas de forma
justa. No caso de Airbnb, é verdadeira a acusação de que a plataforma permite
escolhas a partir de critérios raciais. Nesses casos, os usuários fizeram suas
críticas serem ouvidas e forçaram as empresas a tratar desses problemas. É isso
que está acontecendo. Essas companhias fizeram promessas.
No caso da Uber, a promessa era oferecer uma opção de
transporte, especialmente em lugares onde elas não existiam. No Airbnb, a
promessa foi oferecer muitas escolhas e diferentes faixas de preço. Essas
empresas vão adotar uma postura ainda mais corporativa quando abrirem seus
capitais na Bolsa, a tendência entre esse perfil de companhia é favorecer seus
lucros em detrimento do cliente. Por isso, é bom ver que está havendo
competição na chamada economia do compartilhamento, de forma a dar mais opções
aos usuários.
No fim das contas, o impacto dessas companhias na sociedade
e na economia é positivo ou negativo?
Sem dúvida, é positivo. Elas criaram oportunidades
econômicas para as pessoas que simplesmente não existiam antes. Se você está
desempregado ou não tem muito tempo disponível para trabalhar por causa dos
estudos, você pode dirigir para uma companhia do tipo 99, Uber e Lyft. Se você
tem uma casa e quer viajar por alguns meses, pode alugá-la por esse período. Na
cidade de Nova York, era quase impossível conseguir um táxi fora de Manhattan.
Os táxis faziam julgamentos raciais e não iam para aquelas áreas.
Era difícil conseguir um bom quarto de hotel no Brooklyn,
então essa região não estava usufruindo do benefício econômico do turismo por
lá. Então essas companhias ampliaram a possibilidade de acesso a esse benefício
econômico e a esses serviços nos setores de transporte e de viagens.
Os efeitos negativos são relevantes?
Sim, é claro que isso cobrou um preço. Houve um revés
econômico para os serviços estabelecidos que operavam nesses setores. Foi o
caso dos motoristas de táxi. Mas diria que eles estavam fazendo um
interpretação precária da demanda dos consumidores antes de o Uber surgir.
Eles não ampliaram a oferta de carros quando necessário, não
conseguiam adaptar seus preços à demanda e, em muitas cidades, sequer aceitavam
cartão de crédito simplesmente porque não queriam pagar a taxa dessa opção de
pagamento. Então, companhias como Uber fizeram com que esses serviços ficassem
mais sensíveis às necessidades dos seus consumidores.
A cultura corporativa da Uber foi marcada por um escândalo
que já resultou no afastamento de seu principal executivo. Como isso afeta a
empresa?
Isso gerou rancor e controvérsia para a companhia. A
companhia estava sendo gerida por um diretor executivo de postura muito
incisiva, que combatia concorrentes sem cansaço e alienou muita gente nesse
processo. No fim, ele não tinha mais nenhum aliado. Isso tudo levou à saída de
Travis Kalanick. Ele cometeu muitos erros e seu comportamento se revelou
indefensável. A companhia está tentando fazer frente a essas críticas, embora
ainda precise de um novo diretor executivo. Mas a companhia tem reagido às
críticas.
Eles têm muitos desafios pela frente. A empresa ainda está
envolvida em controvérsia, a marca foi muito afetada. A Uber já está avaliada
em US$ 70 bilhões de dólares, mas é preciso saber se os investidores serão
otimistas quando ela lançar ações na Bolsa. Mas seus números ainda são bons e
ela segue crescendo. Mesmo que muitos usuários acreditem que a empresa não está
fazendo valer os seus valores, eles ainda clicam no aplicativo da Uber quando
precisam chamar um carro.
E como o senhor compara a gestão da Airbnb com a da Google?
Airbnb é uma companhia mais inteligente. É mais bem gerida,
sua gestão é mais experimentada, tendo conseguido evitar todos os problemas
enfrentados pela Uber nos últimos meses. O Airbnb se saiu muito bem na forma
como lidou com a oposição da indústria de hotéis aos seus serviços e até mesmo
no posicionamento da marca no tema da imigração diante do atual ambiente
político dos EUA. Isso gerou noticiário positivo para a empresa.
O livro destaca como Uber e Airbnb aproveitaram brechas na
legislação. Essa estratégia é sustentável?
Essas empresas não podem mais explorar brechas na
legislação. Elas já são grandes demais para isso e precisam negociar com
governos. Os governos já perceberam o quanto os usuários gostam desses
serviços, então devem ser autorizados e regulados.
Quais são as ambições da Uber no segmento de carros
autônomos, que gera tanto temor por seu potencial impacto nos empregos?
A Uber reconhece que eles precisam liderar a revolução do
carro sem motorista. Infelizmente, compraram uma companhia de um ex-funcionário
da Google e agora está em litígio. Isso pode reduzir significativamente seu
projeto. Acho que não estamos perto. A tecnologia pode até estar pronta daqui a
pouco tempo, mas muito mais será necessário, em termos de cultura,
infraestrutura.
O senhor já afirmou que a“economia compartilhada” é mais um
posicionamento de marketing do que uma verdade. Por quê?
Sou cético em relação ao conceito de economia do
compartilhamento. Já está óbvio para todo mundo que seus serviços são de
caráter comercial. No caso da Uber, o serviço é prestado por motoristas
profissionais que querem flexibilidade.
Pessoas que realmente querem oferecer um quarto vazio na sua
casa ou aproveitar o trajeto entre casa e trabalho para ligar o medidor da Uber
são uma fração muito pequena da chamada economia do compartilhamento. Acho que
se trata mais de uma economia sob demanda ou uma economia da confiança.
O que você espera para o futuro dessas empresas?
Veremos IPOs (lançamento de ações) das duas companhias no
ano que vem. Uber ainda precisa de um diretor executivo e de cortar gastos. É
difícil saber o que vai acontecer daqui a dez anos. Acho até que é possível o
Travis voltar. Ele quer isso, mas tem que evoluir bastante. No caso do Airbnb,
ela vai tentar se transformar mais em uma companhia de viagem.
Como acompanha a evolução da Amazon?
Desde que publiquei meu livro (“A loja de tudo — Jeff Bezos
e a era da Amazon), em 2013, o valor de mercado da Amazon já quadruplicou. No
livro, contava como a Amazon queria se transformar da “loja de tudo” na
“empresa de tudo”.
E ela está se transformando. É impressionante o quanto a
empresa se esforça para entrar no mercado de varejo, e a compra da Whole Foods
mostra como ela continua tentando entrar no segmento, embora ainda haja
desafios. Mas a empresa está ficando cada vez mais poderosa, e há certo
desconforto com isso nos EUA.
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