Os serviços de táxi sempre foram atividade profissional, um
oficio através do qual pessoas físicas levavam sustento as suas famílias. Salvo
raras exceções, não existiam empresas se apropriando da força de trabalho
destes profissionais.
O mercado de taxi, só na cidade do Rio de Janeiro, movimenta
aproximadamente 6 bilhões de reais por ano e toda esta riqueza ficava com os
próprios taxistas. Um mercado onde a democracia econômica era próxima da
perfeição.
Barreiras legais impediam o ingresso de grandes corporações
neste mercado. Mas, a tecnologia possibilitou uma alteração neste quadro. Com a
ampliação do uso da internet móvel e popularização dos smartphones, novos meios
de contratação de serviços começaram a surgir, inclusive no mercado de táxi.
Por muito tempo, em uma época onde as comunicações eram
precárias e os meios de pagamento escassos, as cooperativas foram a inovação
neste seguimento, elas aproximavam taxista e seus clientes através de sistemas
de radiofrequência e possibilitavam o faturamento do conjunto de corridas
realizadas.
Com o avanço das comunicações e a diversificação dos meios de
pagamento a operação das cooperativas começaram a se tornar obsoletas e
precisaram inovar mais uma vez.
Passaram a adotar pagamento por cartão de crédito e investiram
pesadamente em sistema de despacho de corridas mais ágeis e modernos com o uso
de GPS, se preparando para migrarem para os vouchers eletrônicos.
Muitas chegaram a investir mais de 1 milhão de reais para
modernização, entretanto, mesmo antes da implantação por completo destas
tecnologias, uma nova onda de inovação surgiu no mercado e desta vez, não pelas
mãos das cooperativas e taxistas, mas, de empresários que pretendiam ingressar
no setor.
Com o surgimento dos aplicativos, mesmo antes de recuperarem
os investimentos realizados, uma vez que esta última onda tecnológica surgiu
menos de 2 anos após a implantação dos sistemas de GPS nas centrais de chamada,
as cooperativas se tornaram mais uma vez obsoletas e desta vez ganham um
concorrente mais ágil, moderno e barato, tanto para o taxista quanto para os
clientes dos serviços de táxi.
Para ganhar mercado, estas empresas necessitavam de carros e
para isto passaram fornecer seus serviços sem custo para os taxistas ou com
custos baixos, bem mais baixos que os das cooperativas. Na medida em que se
popularizavam, mais e mais empresas ingressavam no mercado, despertando a
atenção de grandes investidores.
Temos estudado este fenômeno desde de seu início e já a mais
de dois anos temos alertado as cooperativas de táxi para esta situação,
recomendado a criação de um aplicativo único e nacional como uma medida urgente
e essencial para modernização da operação, melhor atendimento as demandas de
clientes e taxistas, redução de custos e sua sobrevivência no mercado.
Entretanto, as lideranças não se sensibilizaram ou criaram
aplicativos próprios com a falsa impressão de que bastava o meio eletrônico de
contratação do serviço para se manter no mercado. Mas, isto era só mais um meio
de “queimar” corridas e queimar a cooperativa comercialmente.
Os aplicativos estão cada vez mais modernos e ganhando
mercado, inicialmente atuavam só no varejo e agora buscam todos os seguimentos,
incluindo licitações públicas, portos e aeroportos (no Galeão já tem
aplicativo).
Os taxistas, iludidos com uma vantagem imediata tem visto as
cooperativas como um mal, um custo absurdo e desnecessário e migrado para os
aplicativos que cobram pouco ou nem cobram, gerando as mesmas quantidades de
corridas. Muitas cooperativas já começam a sentir o impacto da concorrência
desleal.
O fato é que ninguém investe dinheiro para ofertar serviços
gratuitos, nenhum Banco investiria nos aplicativos para não ter um lucro
grande.
Hoje podem até cobrar barato, mas, em breve, os taxistas
iludidos por uma suposta redução de custos operacionais, deixarão de exercer
livremente sua profissão para se tornarem empregados destas empesas.
Não existe almoço grátis, está é uma máxima comum entre os
taxistas, mas, parece que se esqueceram disso.
É comum nos mercados capitalistas a fusão ou a compra de
concorrentes e logo que o mercado de aplicativos se consolidar, o que não está
longe, uma empesa comprará a outra, sobrando, no máximo, 03 ou 04 grandes
operadoras.
Logo estas operadoras dominarão o mercado de varejo e atacado
nos serviços de táxi, bem como as principais corridas e não existindo
cooperativas fortes o taxista não terá outra opção que não seja trabalhar para
eles.
Mesmo aquele que sempre trabalhou no “rolé” terá
dificuldades, pois, as empresas criarão atrativos como serviços de bônus,
pagamentos por cartão, descontos, acesso a serviços e conteúdos on-line.
Logo a maior parte da população terá acesso a internet móvel
e não desejará pegar um táxi no “rolé” por que perderá vantagens.
Uma vez consolidado o controle de mercado, é difícil mudar o
fluxo. Exemplo simples que podemos dar pode ser visto em nossas casas. Cada vez
mais pessoas tem TV por assinatura, mais de trezentos canais, mas, o canal mais
assistido certamente é a Rede Globo, certo?
Quando isto se consolidar, em mais dois anos talvez, as
operadoras de aplicativos que receberam investimentos milionários e rodaram no
prejuízo para formar sua frota, enquanto conquistavam o mercado de clientes dos
serviços de táxi, passaram a cobrar percentual das corridas.
Algumas já fazem esse tipo de cobrança e exigem que mesmo
corridas pagas em dinheiro sejam registradas no sistema. Entretanto, o taxista
ainda acha barato, pois, as cobranças ficam na casa dos 3%.
Mas, muitas destas empresas investidoras, muitos destes
bancos que aportaram capital nestas operadoras de aplicativos, fora clientes
das cooperativas. Muitas recebiam descontos na casa dos 20%. Então sabem que o
taxista suporta pagar pelo serviço de intermediação de corridas o percentual de
20%.
Eles também fizeram uma conta simples, verificaram que além
dos 20% os taxistas pagavam em torno de 15% com rateio de despesas para as
cooperativas e esse é o target, esse é o objetivo destas empresas.
Dominar o mercado até que possam estabelecer os preços dos
seus serviços na faixa de 35%, uma vez que o mercado já suportava estes custos.
As empresas não são o mal, mas, isso é negócio e quem investe quer retorno
máximo.
Assim, ingressaram em um mercado de 6 bilhões/ano, que lhes
era restrito, sem ter de investir em carro, contratar empregados ou mesmo
assumir o risco da operação e ainda ficam com 35%.
Mas certamente, não vai parar por ai, pois, logo se exigirá
preferência na contratação de seguros e financiamento junto ao Banco
investidor, logo exigirão a inserção de publicidade nos veículos (isso já está
acontecendo) e retirarão do taxista o poder de ganhar dinheiro com outros
negócios associados ao táxi.
Mas a categoria não está vendo isso ainda, e certamente não
acreditará nesta possibilidade até que ocorra, mas, quando ocorrer será tarde.
As cooperativas precisam mudar sua gestão, profissionalizar sua
atuação e ofertar os mesmos benefícios que os aplicativos, mas, para isso terão
de fazer um aplicativo único e nacional, do contrário não poderão enfrentar a
crise que se aproxima.
O taxista tem que se conscientizar de que caminha para uma
escravidão e ainda que as cooperativas, atualmente precisem melhorar muito,
pertencem a eles, eles têm o poder de influenciar nas decisões e até assumir a
direção do negócio.
É preciso que tomem consciência de que o fato destas empresas
serem mais baratas que as cooperativas no momento, é uma estratégia de domínio
de mercado, é um engodo.
Como alguém opera uma empresa que presta serviços gratuitos?
Não podem fazer a comparação de custos entre cooperativa e aplicativos, pois,
trata-se de uma concorrência desleal e passível de investigação pelo CADE.
Notem que não tratamos das novas ameaças ao mercado dos
taxistas como os car services e os aplicativos de carona remunerada, que também
estão presentes nos aplicativos de táxi. Trataremos disso com mais detalhes em
artigo especifico.
Mas, o fato é que somente a modernização da gestão e serviços
das cooperativas aliada a conscientização da categoria enquanto tal, poderá
manter a liberdade de exercer a profissão sem ter que dar até 35% do resultado
do trabalho a um capitalista, perdendo ainda o direito de explorar outros
negócios que poderiam aumentar a renda de sua família.
O taxista precisa perceber que o imediatismo inconsequente
terá consequências. A consequência será uma “escravidão” nunca antes
experimentada por esta categoria profissional.
Abdul Nasser
Professor em Direito Tributário, Societário e Regulatório de
cursos in company da FGV voltados para sociedades cooperativas.
Parabéns!! Abdul Nasser
.
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