Só em fevereiro, dois taxistas
foram assassinados na capital durante o trabalho. O taxista Thiago Holanda já
foi vítima de dois sequestros e sete assaltos
Thiago Holanda reconstitui
a posição que os bandidos pediram para ele ficar durante o sequestro
Quem tem condições de pagar por uma
corrida de táxi não pensa duas vezes entre essa opção ou utilizar um ônibus,
principalmente à noite. Além do conforto e agilidade, a segurança conta
bastante nessa decisão. Mas o que pouca gente se dá conta é o risco em ser
taxista em Maceió no período noturno.
Além de estarem entregues à própria
sorte, os taxistas são um atrativo para criminosos. Eles portam dinheiro vivo e
estão sozinhos dentro dos veículos. Mesmo os que trabalham com empresas de
serviço radiofônico, em algum momento, saem dos pontos de apoio. São alvos
relativamente fáceis e, por causa disso, sequestros rápidos e assassinatos não
são raros na capital alagoana.
O taxista Thiago Holanda, de 36
anos de idade, já foi assaltado sete vezes e sequestrado duas vezes exercendo a
profissão. Taxista há 19 anos, o último sequestro que sofreu foi no dia 10 de
janeiro de 2014. Thiago apanhou, foi forçado a ficar apenas de cueca e teve uma
arma apontada para si durante horas. Mesmo com mais de dois anos da traumática
experiência, ele ainda está bastante abalado com o ocorrido. O sequestro
ocorreu no bairro do Clima Bom, parte alta de Maceió. Thiago lembra que tinha
acabado de comprar um carro e, ao parar em uma das ruas do bairro, foi abordado
pelos sequestradores.
“Desci do carro, abri a mala e
tirei algumas coisas dela. Quando eu virei, vi três caras correndo. Quando
chegaram perto, disseram que se tratava de um sequestro. Dois deles estavam
armados e um encostou a arma na minha cintura. Eu disse para levarem o carro,
mas não quiseram. Apontaram a arma para minha cabeça e perguntaram se eu queria
morrer. Foi um pesadelo”, relata Thiago. O taxista conta que foi obrigado a
entrar no carro junto com os três sequestradores. Na ocasião da abordagem,
Thiago estava com mais uma pessoa, mas ele conseguiu convencê-los a deixá-la
livre.
Foto: Adailson Calheiros
“Tinha um que era o mais violento.
Eu estava no banco de trás explicando como saía do Clima Bom e ele estava no
banco da frente, do passageiro, e ficava repetindo: 'Você é cheio de moral, não
é?'. Ele me deu uma coronhada na cabeça que o sangue escorreu. Não sei como a
arma não disparou”, lembra. Durante o sequestro, os criminosos pediram para
Thiago tirar a roupa. Enquanto fazia o que mandavam, o taxista recebeu outro
golpe na cabeça. Um terceiro golpe foi desferido na Ladeira do Catolé, a
caminho de Satuba. Quando pediram o telefone celular de Thiago, os três
criminosos viram as fotos de suas duas filhas pequenas.
“Então eu disse: olha aí as fotos
das minhas filhas. Eu sou pai de família, rapaz, pode levar o carro, me deixe
aqui, me solte aqui. Eles só respondiam 'não'. Mandaram eu cruzar as pernas,
cruzar as mãos e baixar a cabeça. O que estava do meu lado botou a mão em cima
da minha e ficou com o revólver apontado para minha cabeça e para o meu peito.
Uma hora o telefone tocou e um deles colocou a arma na minha boca e disse que,
se atendesse, morreria”, recorda o taxista, com a voz embargada.
Thiago lembra que os bandidos
disseram que tinham ido ao Clima Bom para matar um traficante da área, mas tudo
deu errado. Inicialmente, o trio roubou outro carro, mas ele quebrou perto de
onde o taxista tinha parado.
FUGA
O taxista conseguiu fugir dos
sequestradores após o táxi ter entrado em um canavial no município de Cajueiro
e ter estancado. Nesse momento, relata Thiago, os três criminosos começaram a
discutir e um deles disse ter visto a polícia se aproximar.
“No início eu não me mexia porque
eles disseram que me soltariam em São Miguel dos Campos, mas, no desespero,
aproveitei a oportunidade e saí correndo. Um deles deu um tiro para cima. Nessa
hora me joguei numa ribanceira. Estava só de cueca. Quando percebi, eles tinham
ido embora com meu carro. Fui até a pista e caminhei por um bom tempo. No
caminho, eu bebi uma água que estava no chão. Era mais lama que água, na
verdade. Bebi lama com sangue que escorria da minha cabeça”, lembra.
Thiago conta que decidiu ir mais
adiante e foi quando se deparou com um sítio. O taxista, no auge do desespero,
passou por baixo da cerca e começou a gritar por ajuda dentro da propriedade.
Ele viu que o caseiro estava no local, porém, por medo da situação, não abriu a
porta. O proprietário do sítio, depois de ser avisado pelo caseiro, chegou com
arma em punho e perguntou o que Thiago fazia por lá. “Contei tudo o que tinha
acontecido comigo. Aí ele chamou a polícia, que me levou para o Pronto-Socorro
de Cajueiro”.
O táxi de Thiago foi encontrado
ainda no município de Cajueiro, na região da Usina Capricho. Thiago relata que
desmaiou ao ver o veículo novamente. O carro estava sem o estepe e sem vários
objetos do taxista, como os celulares, por exemplo. E, para completar seu
martírio, o taxista lembra que, apesar de dois sequestradores terem sido
presos, os bandidos foram soltos pela Polícia Civil.
“Fui até a sede do Centro Integrado
de Operações de Defesa Social (Ciods). Eles [sequestradores] foram
identificados por fotografias, mas foram soltos porque, segundo o delegado de
Capela, ninguém apareceu em sua delegacia para dar testemunho. O pessoal do
Ciods me disse que a identificação por foto bastava. Soube que, durante o
interrogatório, eles afirmaram até ter me matado”, diz Thiago.
O taxista Thiago Holanda conta que
apanhou dos criminosos várias vezes durante o sequestro (Foto: Adailson
Calheiros)
DANOS PSICOLÓGICOS
Para o psicólogo Raffael Gonçalves,
uma experiência como a que Thiago passou deixa várias sequelas. Porém, sua
intensidade depende dos aspectos cognitivos das vítimas de sequestros.
“De um modo geral, as consequências
que são mais típicas são transtorno do estresse pós-traumático, que tem como
sintomas a reexperiência através de pesadelos, lembranças espontâneas,
involuntárias, entre outras formas de se reviver o ocorrido. Fuga e esquivas
que levam ao isolamento social na tentativa de se evitar qualquer condição que
traga à tona o fato traumático que se viveu. Distanciamento emocional com
diminuição da afetividade por pessoas, atividades de lazer e redução da
libido”, explica Raffael.
O psicólogo ressalta que há outros
danos possíveis como episódios de pânico, distúrbios do sono e hipervigilância.
“E quando o sequestro acontece no exercício do trabalho, além de toda essa gama
de consequências, se desenvolvem traumas restritivos ao ambiente. Síndrome do
pânico e de perseguição, que, na realidade, são projeções dos traumas do
próprio sequestro, são os mais comuns”, explica o psicólogo.
TRABALHO NOTURNO
Segundo o Sindicato dos Taxistas do
Estado de Alagoas (Sintaxi/AL), há, em Maceió, 3.054 taxistas. Destes, pelo
menos 1.000 atuam no período noturno.
Segundo Fernando Ferreira,
secretário-geral do Sintaxi/AL, somente em 2015, cinco taxistas foram
assassinados em Maceió enquanto exerciam a profissão. Em 2016, dois casos já
foram registrados no mês de fevereiro. “A violência assusta por causa dos
pequenos furtos, ou seja, levam o dinheiro ou o celular do taxista. O
profissional fica com medo, em um furto desses, de o criminoso ter uma reação
inesperada e acontecer o mal maior”, diz.
Fernando Ferreira diz que taxistas
podem registrar os crimes no próprio sindicato (Foto: Adailson Calheiros)
Ele relata que muitos taxistas não
vão à polícia registrar os crimes que sofreram por causa da burocracia e muitos
alegam que não vão recuperar o que perderam de volta. Entretanto, o
secretário-geral do sindicato discorda desse comportamento. “Eu aconselho que
se vá à polícia registrar o crime, pois ela trabalha com informações. E se
mesmo assim o colega não quiser, ele pode fazer a denúncia aqui no sindicato
que nós encaminhamos à Secretaria de Segurança Pública”, garante Fernando.
ASSASSINATOS
Não é raridade um taxista ser
assassinado em Maceió. Em 2016, somente no mês de fevereiro, dois foram mortos.
Vítima de latrocínio, José Manoel Fungêncio, então com 60 anos de idade, foi
encontrado morto – dentro do carro e com o motor ligado – na Ponte Divaldo
Suruagy, saída sul da capital alagoana, com um tiro na cabeça.
Três dias depois, o taxista
Gilmarcos de Carvalho Silva, então com 41 anos, foi encontrado morto no bairro
de Clima Bom, parte alta de Maceió. Quando os policiais chegaram até o local, o
taxímetro estava ligado e marcando R$ 64,00. Alguns dos crimes cometidos contra
taxistas são brutais.
Em 1º de março de 2015, Anderson
Soares da Silva Martins, então com 29 anos, foi assassinado com 10 tiros. Ele
foi encontrado no Campo do Vasco, no bairro Petrópolis, parte alta de Maceió.
Segundo a Secretaria de Segurança
Pública (SSP), não há dados específicos sobre crimes cometidos contra taxistas.
E, conforme afirma o secretário-geral do Sintaxi, Fernando Ferreira, muitos
taxistas não realizam denúncias à polícia, o que dificulta ainda mais a
realização de levantamento estatístico.
TECNOLOGIA
Segundo Fernando Ferreira, os
taxistas estão buscando apoio em novas tecnologias para manterem-se em
comunicação permanente, como a utilização de grupos no WhatsApp. Assim, diz o
dirigente sindical, a categoria pode ficar sabendo de eventuais problemas que
algum colega estaria sofrendo. “A finalidade é socorrer algum taxista que
esteja sendo assaltado ou ameaçado de alguma forma. Assim, alguém aciona a polícia
e o profissional pode ser salvo a tempo”, diz Fernando.
De acordo com o secretário-geral,
os aplicativos só têm a somar com o rádio do táxi quando o quesito é segurança.
Antes, segundo ele, achava-se que bastava estar participando de um serviço de
rádio que já se estaria seguro. “No dia 13 de março, um taxista foi sequestrado
na parte alta de Maceió, ali perto do Canaã. Os bandidos usaram o táxi para
tentar cometer um homicídio. O taxista teve que ficar calado, dirigiu o carro,
mas com a ajuda do Whatsapp, um colega foi passando a informação para outro e o
assunto chegou até a polícia, que conseguiu abordar o veículo e parar a ação
criminosa”, relata Fernando. Para ele, não falta policiamento, e sim um
trabalho mais específico com os taxistas e a criação de formas de manter a
categoria em contato com a polícia.
Rívison Batista / Carlos Amaral 29 Março de 2016 - 18:35
Foto: Adailson Calheiros
Fonte:
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