Há três anos, o Judiciário do Rio de Janeiro concederia
decisão liminar ao Uber permitindo que o aplicativo funcionasse de forma
incondicional na cidade. Talvez, o maior privilégio que se pode conceder a uma
empresa de capital privado. DETRO e SMTR não podem aplicar multas, apreender
veículos ou exercer quaisquer atos que impeçam ou restrinjam a atividade de
motoristas do aplicativo. Com isso, favoreceu o Uber, que atua sem precisar
oferecer satisfações ao Poder Público e enfraquece a relação de segurança dos
clientes com o serviço. A decisão ocorreu para anular o entendimento da Câmara
dos Vereadores do RJ, que impôs regras aos aplicativos. Dois anos depois da
concessão da liminar, diante de nova votação que regulava corporações como o
Uber, o Judiciário reafirmou a liminar que libera sem regras o funcionamento
dessa modalidade de transporte.
Ao criar uma deformação jurídica no Rio, que contraria a Lei
de Mobilidade Urbana e viola a profissão regulamentada de taxista, a Justiça
também permitiu, indiretamente, um novo tipo de relação trabalhista
ultraliberal, em que o empregador se isenta de qualquer responsabilidade com o
prestador de serviço e também por quem utiliza o serviço. Mesmo quando se
tentaram regulamentações simples, como a de controlar o número de carros, o
Judiciário vetou em diversas ocasiões.
Existem 240 mil carros particulares fazendo transporte
individual por aplicativo na capital paulista. No Rio, calcula-se que há mais
de 100 mil carros particulares a serviço de aplicativos semelhantes ao Uber.
Somam-se a esses números os 30 mil táxis que já rodavam no município. Aos
poucos, as grandes cidades não se livram mais dos engarrafamentos, é horário de
pico o dia inteiro. É a institucionalização do congestionamento e da poluição.
Outra consequência que vem ocorrendo é o sequestro da discussão sobre
transportes de massa, um tema que realmente deveria ser o centro das nossas
preocupações. Por conta de alternativas que são ilegais para os táxis, o Uber
pratica lotações em carros particulares num sistema que chamou de Uber Pool, o
que está causando redução de usuários em ônibus, trens e metrô. Cidadãos que
ainda necessitam do transporte público estão testemunhando o absoluto abandono
dos debates que poderiam promover melhorias no setor, o Uber aluga espaço na
imprensa para gerar um monopólio de ideias. Ônibus pirata e Vans, não pode.
Uber pode.
A pressão pelo crescimento do apêndice urbano, que são os
aplicativos de transporte privado em carros particulares, possui protagonistas
de força por trás. A indústria automobilística se beneficia com o aumento da
compra de carros por interessados em aderir ao “emprego” de ocasião oferecido
pelos apps. As locadoras de automóveis nunca lucraram tanto, alguma oferecem o
kit completo para quem deseja ingressar no Uber, oferecendo até smartphone.
Como se não bastasse, o Uber patrocinou parte do carnaval carioca.
Não há regras de sustentabilidade, como as que são previstas
para os táxis. Numa progressão geométrica, o Rio vai caminhando para o caos
incontrolável no trânsito. Em tempos de Lava-Jato, em que o mote diz que a lei
é para todos, podemos dizer que há controvérsias. Somente o Uber já possui mais
de 55 mil denúncias no site Reclame Aqui. Entre as justificativas surpreendentes
da liminar concedida por uma desembargadora, lê-se a que afirma que o Uber não
causa danos sociais. Como dormir com um barulho desses?
Fevereiro de 2018
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