terça-feira, 23 de janeiro de 2018

O TÁXI E A DEGRADAÇÃO VOLUNTÁRIA DO TRABALHO

Hoje, foi anunciado o reajuste no valor da bandeirada dos táxis cariocas, que na próxima quarta-feira passará de R$ 5,40 para R$ 5,50, um acréscimo de 10 centavos. Muitos taxistas foram contra o aumento, alegam que perderão ainda mais usuários para o concorrente americano Uber, não levam em conta o aumento de todos os insumos que envolvem a própria produção, que vão desde a manutenção do automóvel até os inúmeros aumentos do combustível. Há de se ressaltar que o último reajuste dos táxis no Rio ocorreu em 2016. Em 2017, evitar a correção da tarifa foi a escolha sensata num momento em que a nossa mídia colonizada ainda oferecia forte apoio à suposta inovação dos aplicativos de transporte individual. Talvez, por falta de reflexão ou desespero, esses taxistas que fomentam a depreciação do ofício ainda não tenham atinado que aplicativos como o Uber se transformaram em bico ou complemento de renda para aventureiros do trânsito; quando não é assim, serve de boia salva-vidas para desempregados que não se importam em abrir mão de direitos e de mínimas proteções trabalhistas. Já o táxi, para a maior parte dos permissionários, não é um bico, é profissão.

Uma das poucas informações que o Uber disponibiliza diz que o aplicativo assume somente a conexão, não se responsabilizando por nada mais. Ou seja, ao Uber cabe o bônus da operação; passageiros e motoristas que arquem com qualquer possível ônus. Não à toa que foi proibido em diversas cidades e países da Europa (como os exemplos recentes de Londres e Dinamarca) e vem sendo reavaliado também em Nova York.

Os taxistas justificam que rejeitar o reajuste sobre o atual valor trabalhado seria uma estratégia de sobrevivência. Não é possível estratégia contra uma multinacional que se baseia no pressuposto de regras mínimas ou na total ausência delas, como ocorre no Rio de Janeiro. A sobrevivência dos taxistas não está atrelada à efetivação ou não de um reajuste, mas à coragem do Estado em enquadrar uma empresa de tecnologia que se coloca acima da ordem urbana e social. A luta do taxista não deveria conter a ideia de depredar sua qualidade de vida pela suposição de que mais vale sobreviver do que garantir a dignidade. Uma batalha travada pela ótica dos suicidas é uma guerra perdida.

Fato ainda pior na capital do Rio de Janeiro é testemunhar uma luta interna promovida por alguns grupos de taxistas contra companheiros de classe que insistem em preservar a dignidade do trabalho que escolheram para ganhar a vida. É insano. Como é possível criticar alguém que tenta mostrar que é preciso manter o amor-próprio antes de enfrentar um adversário?

O Uber é uma bolha que cresce sem controle, como bem demonstrou um estudo realizado pela COPPE/UFRJ, seu destino é explodir em algum ponto da curva. Em sites como o Reclame Aqui já acumula mais de 50 mil denúncias; desvia a discussão sobre o transporte de massa; explora a mão de obra terceirizando camelôs de asfalto sem licença; não aceita nenhuma relação trabalhista com seus prestadores de serviço, mas recolhe deles 25% dos ganhos da produção. Não há como manter uma mentira por muito tempo.

O que parece incomodar aos taxistas, mais do que o reajuste aprovado, é a burocracia e os custos que derivam disso. São obrigados a pagar 200 reais pela troca do chip do taxímetro, mais as despesas do serviço e a taxa do IPEM (Instituto de pesos e medidas). Ficam reféns de um cartel de relojoeiros (empresas autorizadas que manipulam os taxímetros) e de uma romaria que os faz perder um dia de batente em troca do certificado de fiscalização. Isso, sim, deve ser questionado.

O embate dos taxistas contra a desapropriação da dignidade do trabalho se tornou um símbolo de resistência que ganhou repercussão nacional num país que está sendo vendido e recolonizado. Só os covardes se encolhem, a vitória exige ousadia.


(por Alexandre Coslei)

https://www.facebook.com/coslei/posts/1776913015716455
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